Judeu que passou por 5 campos de concentração visita novo Memorial do Holocausto em SP
- G1.globo.com
- 10 de nov. de 2017
- 4 min de leitura

Uma boa parte, o que está sendo mostrado aqui é o meu passado. Voltam as memórias, todos aqueles anos pesados, sofridos, perseguições só pelo fato de ser judeu. A gente tinha que sofrer, e sofrer muito”, conta Julio Gartner, polonês de 94 anos.
Há 70 anos no Brasil, Gartner nasceu em Cracóvia, em 1924. A vida, segundo ele, era confortável. “Não vinha de uma casa rica, mas éramos três irmãos, e todos estudavam. Eu deveria entrar na faculdade no ano que começou a guerra, mas a partir daquela data tudo era proibido para os judeus”, conta Gartner.
O cenário em que ele narra sua história é o Memorial do Holocausto, em São Paulo. A exposição permanente abre para o público no domingo (12) e busca contar a história da tentativa do regime nazista de eliminar o povo judeu durante a Segunda Guerra Mundial - mais de 6 milhões de judeus (1,5 milhão de crianças) foram mortos durante o período.
"Nosso desafio foi colocar bastante conteúdo em muito pouco espaço”, explica o professor Reuven Faingold, responsável pelos projetos educacionais do Memorial da Imigração Judaica, sobre o projeto, que levou mais de quatro anos para ficar pronto. São Paulo é a segunda cidade brasileira a ganhar um espaço permanente inteiramente dedicado a relembrar o Holocausto, além de Curitiba.
O espaço é dividido em quatro estações principais, que exploram desde a ascensão de Adolf Hitler, as origens do antissemitismo na Alemanha até a queima de livros e a "solução final", termo empregado para se referir ao plano nazista de extermínio total dos judeus.
Não são as roupas de época, a reprodução dos beliches – que abrigavam até oito prisioneiros por cama – de Auschwitz, o emblemático letreiro que diz “Arbeit macht frei” (“O trabalho liberta”) ou a propaganda nazista que chamam a atenção de Gartner no Memorial do Holocausto. Para ele, o mais marcante a ser visto no local é a expressão que dominava os rostos judeus da Europa naquela época.
“Quando entro aqui, lembro de muitas coisas, mas o que me chama mais atenção é a expressão de pavor das pessoas perseguidas pelos nazistas. Você repara, em muitas fotos, um pavor extremo dessas pessoas”.

De esconderijo a campo de concentração
É nesse espaço que Gartner passeia pela sua história. Ele conta que se escondeu dos nazistas durante nove meses em uma aldeia no interior na Polônia, logo após o início da perseguição aos judeus. “Durante o dia, ficava em buracos destinados a guardar a colheita, na rua mesmo, e à noite buscava algum trabalho”. Normalmente, conta ele, a recompensa pelo serviço era um prato de comida.
“Deixavam fora de casa, como se deixa para um cachorro. Se os moradores da aldeia fossem pegos ajudando um judeu, seriam punidos com pena de morte”, explica ele, que da aldeia foi para um gueto – locais dentro da cidade onde os judeus eram confinados pelos nazistas. O gueto é descrito por Gartner como sendo “pior do que um cativeiro”.
“Em um cativeiro, há a esperança de que alguém vai dedurar os bandidos. Lá, infelizmente não existia isso, porque o terror vinha de cima, era o governo que fazia esse terror, e o governo que fazia esses guetos. Então as pessoas não tinham chance nenhuma de escapar, de se salvar.”
Do gueto em Cracóvia, Gartner foi levado para campos de concentração, junto com seu irmão do meio. Os pais, conta ele, foram mortos pelos nazistas logo no começo da guerra, quando deixaram a aldeia para ir para a cidade, por não aguentarem mais fugir. O irmão mais velho fugiu para a Rússia, e posteriormente veio para o Brasil.
Segundo estimativas de Marcio Pitliuk, cineasta e especialista em Holocausto, mais de 300 sobreviventes vieram para o Brasil, e cerca de 50 estão vivos – a maioria em São Paulo, e outros em Curitiba e Porto Alegre.

Trabalho forçado
Aos 17 anos, Gartner passou nove meses campo de Plaszów, na Polônia, e de lá foi levado para Auschwitz, no mesmo país.
“Quando chegamos em Auschwitz, eles resolviam quais vagões iriam para crematório, e quais iriam para trabalho forçado na Alemanha. Eu, evidentemente, caí naquele trem que ia para a Alemanha”, relembra.
Durante essa época, cada dia sobrevivido era uma vitória. "Foram os piores momentos da Segunda Guerra. A vida era simplesmente para sobreviver. Falava para todos que achava que esse tipo de vida não iria continuar para sempre. Ou eles acabam conosco, o que era mais provável, ou isso iria mudar", conta Gartner, que não sabia se iria chegar ao fim da guerra com vida.
“Saber eu não sabia. Queria sobreviver. Fiz tudo para sobreviver”.
Fim da guerra
Depois de Auschwitz, ele ainda passou por Mauthausen e Melk, na Áustria, até chegar ao campo de Ebensee, que ele descreve como o pior de toda a Europa, com uma expectativa de sobrevivência de apenas 25 dias. Foi lá que ele estava quando a guerra terminou. Ainda adolescente, sem seus pais e sem ter onde morar, Gartner narra uma mistura de sentimentos naquele 8 de maio de 1945.
“De um lado, havia uma incerteza sobre o que iria acontecer amanhã. Nós éramos estranhos para tudo depois de praticamente três anos de cativeiro. Mas sempre estivemos esperançosos de que começaria uma nova era.”
Pesando apenas 33 quilos e com a saúde debilitada, Gartner foi para o sul da Itália, e dois anos depois veio para o Brasil, motivado por uma carta do irmão mais velho, que contava que viria viver no país. "Quando recebi essa carta, a minha cabeça clareou: também queria ir para o Brasil, esse era o caminho".

O Memorial do Holocausto será aberto ao público no próximo domingo, dia 12 de Novembro, das 10h às 17h.
Horário de Funcionamento após a inauguração: de segunda-feira a quinta-feira, das 10h às 17h; sexta-feira, das 10h às 15h.
Endereço: Memorial da Imigração Judaica - Rua da Graça, nº 160 - Bom Retiro
Entrada gratuita. A administração do espaço sugere que grupos com mais de oito pessoas agendem uma visita guiada. O espaço também recebe grupos escolares.
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